A palavra cemitério tem sua origem em um verbo grego, “fazer deitar”, e foi dada pelos primeiros cristãos aos terrenos destinados à sepultura de seus mortos.
Na época do Brasil Colônia, o moribundo que não dispunha em testamento a vontade de ajudar a Igreja, arriscava não ser enterrado em solo sagrado. O preço de um enterro naquela época variava de acordo com o local: mais caro dentro das igrejas, nas partes mais elevadas e próximas do altar. Nas partes baixas, no solo e adros, era mais barato. Imaginava-se que sepultar os corpos em lugares santos traria vida eterna e ressurreição para a alma. Procurando demonstrar hierarquia, fortuna e devoção, pessoas importantes faziam questão de descer ao túmulo usando mortalhas com símbolos de suas confrarias. O uso do sarcófago ou do caixão ainda era raro.
Ana Luíza do Patrocínio em seu livro “Jacareí: Quotidiano & Sociedade de 1840 a 1870” diz que enquanto o Brasil não era uma nação laica, “as leis da Igreja Católica obrigava o enterro de pessoas em solo consagrado, respeitando a idade, o sexo e a condição social do falecido”. Entretanto, no século XIX, por questões higiênicas, os sepultamentos deixaram as igrejas. Não houve uma proibição legal, mas um incentivo ao uso do cemitério extramuros. Estes eram administrados pela autoridade eclesiástica competente em acordo com o poder público municipal. Muitos católicos reclamavam: “essa gente sem Deus não quer mais enterros dentro das igrejas”.
Em 1845, Jacareí possuía quatro irmandades e dois cemitérios. Os sepultamentos se davam concomitantemente, tanto nos cemitérios como na Matriz e nas Capelas do Bonsucesso, Santa Cruz do Avareí, Carmo e Rosário, locais sagrados que continuavam a ser privilégio daqueles com maior poder financeiro.
O cemitério público, localizado em um segmento da atual Rua Barão de Jacareí, era responsabilidade da Irmandade do Bonsucesso e servia somente à comunidade católica. Ao lado, o judeu Luiz Simon adquiriu um pedaço de terra para o sepultamento dos membros de sua família. Outros campos santos também foram criados para os enterramentos dos negros e mulatos, havendo um pequeno cemitério próximo ao Largo do Rosário, responsabilidade da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Em meados do século XIX, entretanto, a região do Bonsucesso começou a ser requisitada para outros tipos de ocupações. Havia muitos terrenos sem donos. Outros começaram a ser negociados. Um novo cemitério precisava ser construído em outro local, devendo ser grande o suficiente para permitir uma quadra para cada confraria.
Um trecho da antiga Estrada Geral, no Avareí, distante do centro urbano, seria o local ideal para a construção da nova necrópole. Entretanto, não havia dinheiro para isso. Subscrições foram encabeçadas por diversas autoridades até que Bento José Branco doou o terreno do cemitério católico.
O novo cemitério foi inaugurado em 1870. No início a região era de difícil acesso nas épocas de chuvas. Algumas vezes era preciso que a Estrada de Ferro autorizasse o uso da linha férrea para a passagem, tanto dos mortos, quanto daqueles que seguiam o féretro. Construído por uma empresa de Mogi das Cruzes, sua área era bem menor que a atual. O portão de entrada dava diretamente na capela levantada em taipa de pilão. A disposição das covas respeitava a posição social e religiosa dos mortos. Havia a quadra dos barões e as quadras das irmandades. Ao fundo, duas áreas serviam aos escravos. Ao que tudo indica, o antigo cemitério da Rua Barão foi parcialmente abandonado, sendo encontradas algumas ossadas no século seguinte.
Apesar do estatuto do novo cemitério prever a criação de um local para o sepultamento dos acatólicos, coube novamente a Luiz Simon adquirir um terreno paralelo e para lá transferir seus mortos, liberando também para o sepultamento de negros, protestantes, enfim, de todos os não-católicos. Em determinada ocasião, ele também permitiu que sua necrópole recebesse os cadáveres dos variolosos, renegados pelo cemitério municipal.
Muitos anos depois, com o fim das questões religiosas, ambos os cemitérios foram agregados. O cemitério acatólico foi doado ao município por Eva Simon Block, irmã de Luiz Simon. Atualmente, logo à entrada principal, à esquerda, encontra-se o sepulcro desta família judia. Isso explica haver no cemitério inaugurado em 1870, um túmulo trazendo uma data de 1850, ano da morte de Luiz Goodchaux, tio de Luiz Simon.
A necrópole do Avareí tem um inestimável valor histórico. Apesar dos milhares de túmulos, sua quadra inaugural abriga dezenas de sepulcros centenários que guardam os restos mortais de personalidades como João da Costa Gomes Leitão, Barão de Santa Branca, Lúcio Malta, Cônego José Bento, dentre outros. Há ainda aqueles considerados milagrosos como o de Dona Adélia Braga de Siqueira, do Padre Saint Clair e da menina “Janaína”. Um verdadeiro “museu a céu aberto”.
Fonte: Jacareí – Dicionário Ilustrado da Cidade